Especiação e definição de espécie |
Ao longo dos tempos novas espécies têm surgido, enquanto outras se têm extinguido. Como se formam as novas espécies, ou seja, como se multiplicam as espécies ? Este fenómeno de multiplicação de espécies é designado por especiação. Antes de se perceber como se formam as espécies é necessário compreender o que é uma espécie, do ponto de vista biológico. A
definição de espécie tem-se alterado ao longo dos tempos, com a contribuição
de numerosas ciências. No
século XVII, John Ray, usando o critério da fecundidade,
considerava que pertenciam á mesma espécie organismos que, por reprodução,
originavam outros semelhantes a eles. No século XVIII, Lineu considerou como pertencentes a uma mesma espécie organismos que apresentassem características morfológicas idênticas – critério morfológico. Este critério foi rapidamente posto em causa pois existem
organismos muito semelhantes que pertencem a espécies diferentes, bem como a
situação inversa (o burro é mais parecido com o cavalo do que um galgo com um
cão de água mas estes últimos pertencem, decididamente á mesma espécie,
enquanto os primeiros não), nomeadamente os que sofrem metamorfoses ou
apresentam polimorfismo.
Ao
longo dos tempos, outros critérios foram sendo propostos ou acrescentados,
nomeadamente o ecológico – grupo
de
seres que partilham o mesmo nicho ecológico -, o genético – grupo de
seres geneticamente semelhantes – ou o evolutivo – grupo de seres que
partilham entre si características estruturais e funcionais. No
século XX e segundo Ernst Mayr, a definição biológica
de espécie é a de um conjunto de todos os indivíduos
que, em condições naturais, são fisiologicamente capazes de, real ou
potencialmente, num dado lugar e momento, se cruzarem entre si e produzir
descendência fértil, encontrando-se isolados reprodutivamente de outros
conjuntos semelhantes. Tendo
por base este conceito biológico de espécie, muito marcado pela genética de
populações, pode considerar-se a especiação como uma consequência do
isolamento reprodutor entre populações mendelianas, pois estas acabam por
divergir geneticamente. Este
conceito apresenta, no entanto, algumas importantes limitações:
Mais
recentemente, devido a todas estas dificuldades passaram a ser usados critérios
bioquímicos, comportamentais, etc. Pode-se
daqui concluir que não existe um conceito que possa ser universalmente
aplicado, cada caso deve ser analisado separadamente e dados das mais diferentes
proveniências devem ser usados. A
espécie torna-se, assim, na unidade fundamental do
mundo vivo, do ponto de vista reprodutor, ecológico (mantém relações bem
definidas com o meio e com outros grupos semelhantes) e genético. Importante consideração a referir é o facto de as teorias evolucionistas também condicionarem esta definição de espécie pois dado que uma espécie é um conjunto de organismos vivos e estes se alteram, a descrição de uma espécie pode variar ao longo do tempo. |
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Tipos de especiação |
Uma
população é caracterizada pelo seu fundo genético, bem como
pela frequência dos alelos que o compõem, frequências
essas variáveis entre populações da mesma espécie. Quando
existe livre intercâmbio de genes entre as várias populações de uma espécie
o fundo genético mantém-se, mais ou menos, estacionário mas se este for
interrompido, as populações vão acumulando diferenças genéticas, por mutação,
recombinação genética e selecção. Esta
separação pode levar a uma situação que já não permita o cruzamento entre
as populações. Nesse momento obtêm-se duas espécies diferentes, por
isolamento reprodutor. Uma
vez formada a nova espécie, a divergência entre ela e a espécie ancestral é
irreversível, pois a divergência genética acentuar-se-á e, consequentemente,
um aprofundamento dos mecanismos de isolamento reprodutor. A
especiação é um processo auto-reforçante. Dois
mecanismos fundamentais conduzem à especiação:
Estes processos são muito graduais, pelo que podem surgir dúvidas quanto á classificação dos organismos na natureza em espécies completamente separadas ou apenas em populações com reduzido fluxo genético entre si. A especiação alopátrica pode ocorrer por diversos modos, entre eles, isolamento geográfico, ecológico ou por barreira de híbridos: |
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Especiação geográfica |
Este
tipo de especiação alopátrica pode ser descrito por uma sequência de etapas:
Um
curioso exemplo deste tipo de situação ocorreu na ilha do Porto Santo, para
onde, no século XV, foram levados ratos vindos do continente europeu. Dado
que não tinham predadores ou competidores, proliferaram rapidamente. No século
XIX já eram nitidamente diferentes dos ratos europeus (na cor, tamanho, e hábitos
pois eram essencialmente nocturnos). No
entanto, deve-se salientar que se o tempo de separação não tiver sido
suficientemente longo e/ou as diferenças acumuladas ainda permitirem a mistura
parcial dos dois fundos genéticos (geralmente apenas na zona de contacto entre
os habitats das duas populações), poderão formar-se subespécies, uma
etapa intermédia no percurso da especiação. Caso
não tenham ocorrido grandes alterações e as populações postas em contacto
possam reproduzir-se livremente, o fluxo genético será restabelecido e não
existirá mais do que uma única espécie. Um
caso particular da especiação geográfica é a radiação
adaptativa. Nesta situação, formam-se num curto espaço de tempo
várias espécies, a partir de uma espécie ancestral, devendo-se ao facto de os
nichos ecológicos ocupados pelas espécies descendentes serem muito mais
variados que os das espécie ancestral. Exemplos clássicos de radiação adaptativa são a colonização do meio terrestre pelas plantas ou pelos vertebrados, a diversificação dos marsupiais na Austrália, bem como o caso dos tentilhões das ilhas Galápagos, estudados por Darwin. Os arquipélagos são locais ideais para a ocorrência de radiação adaptativa, dado que as diversas ilhas fornecem habitats variados, isolados pelo mar. |
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Barreira ecológica |
Na
área ocupada por uma dada espécie podem ocorrer alterações ambientais em
parte do meio, originando habitats com diferentes condições. Estas alterações
podem ser devidas a florestações, formação ou dragagem de pântanos, períodos
de seca, etc. Nesta situação, os organismos podem iniciar uma divergência devida a adaptação aos diferentes nichos ecológicos que irão surgir. |
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Barreira de híbridos |
Duas
populações (A e B), geralmente consideradas subespécies, podem cruzar-se com
uma baixa taxa de fertilidade, na zona de contacto entre os habitats que ocupam. Os híbridos AB resultantes do cruzamento, por sua vez com baixa fertilidade, formam uma barreira ao normal fluxo de genes entre as duas populações: A cruza
livremente com AB e AB com B, mas a presença de AB impede o cruzamento
directo de A com B. Com
o tempo, os híbridos podem até desaparecer, talvez devido a uma selecção
natural negativa mas as populações A e B serão incapazes de se reproduzir,
pertencendo a espécies separadas. Não se sabe quanto tempo é necessário para a produção de uma espécie, pois se é possível obter isolamento reprodutor numa geração (poliplóidia), também é possível que espécies isoladas por mais de 20 M.a. se mantenham morfologicamente semelhantes e produzam descendentes férteis (como o caso dos plátanos americano e europeu, que em laboratório mantêm fecundidade total). |
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Subespécies |
Dentro
de uma espécie existem dois tipos de variabilidade: variabilidade interindividual
e variabilidade interpopulacional. Dentro
de uma mesma população qualquer característica apresenta uma distribuição
normal, sendo mais baixas as frequências dos indivíduos com fenótipos
extremos e mais elevadas as dos indivíduos com o fenótipo correspondente ao
ponto de ajuste para essa característica. Por
outro lado, as diferentes condições geográficas originam diferentes populações
da mesma espécie, com diferenças nas frequências genéticas – variabilidade
geográfica. O
meio ambiente pode variar grandemente, mesmo em zonas contíguas (clima, solo,
luz solar, água, etc.) logo as populações estão sujeitas a diferentes pressões
selectivas. Quando esta variação é gradual diz-se
clinal. Tendo estes aspectos em mente, uma raça geográfica ou subespécie pode ser definida como populações mendelianas com o mesmo fundo genético (pertencem á mesma espécie) que apresentem diferenças nas frequências relativas dos vários alelos. São populações estabelecidas em diferentes áreas pois se vivessem na mesma zona o cruzamento entre elas originaria uma única população, com frequências genéticas homogéneas. Deduz-se daqui que é a
separação
que conduz à formação de subespécies, consideradas uma etapa intermédia na
especiação. Como
identificar uma subespécie ? Com base na definição biológica de espécie, as populações são espécies isoladas se não forem interfecundáveis. Deste modo, fazendo a análise
experimental da fertilidade entre amostras de duas populações e construindo um
polígono de compatibilidade pode descriminar-se as seguintes situações: |
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Especiação simpátrica |
Este processo de especiação ocorre em populações que habitam a mesma zona logo nunca ocorre um isolamento geográfico. Este mecanismo de especiação pode resultar de dois tipos de fenómenos:
Uma
célula ou um organismo poliplóide apresenta um número
múltiplo do conjunto cromossómico original da espécie que lhe deu origem (4n,
5n, etc.) e surge, geralmente, por erros na mitose ou meiose. A autofecundação
de um organismo com esta anormalidade leva ao surgimento de um poliplóide. Esta
situação é frequente em plantas. Existem
dois tipos de organismos poliplóides:
Os híbridos de duas espécies animais são geralmente estéreis pois os gâmetas não são viáveis por dificuldades de emparelhamento cromossómico na meiose. No entanto, alguns animais e muitas plantas formam híbridos férteis. Como será
possível tal fenómeno ? O
cientista russo Karpechenko realizou diversas experiências com plantas, tentando reunir características
com interesse económico de diversos organismos numa única espécie. Uma das
experiências que realizou visava o obter uma planta com a raiz comestível do
rabanete e as folhas da couve. Tanto a couve como o rabanete apresentam um número diplóide de 18. Após o cruzamento (que não correu bem, pois obteve uma planta com a raiz da couve e as folhas do rabanete…), Karpechenko verificou que o híbrido resultante também apresentava 2n=18 mas era estéril. No entanto, alguns híbridos apresentavam
2n=36 e esses eram todos férteis. Mas se existir uma duplicação
do total dos cromossomas (após a replicação do DNA não ocorre a disjunção
cromossómica) o híbrido irá apresentar dois conjuntos completos de
cromossomas, permitindo o emparelhamento. O híbrido tetraplóide produz, assim,
gâmetas 2n viáveis. Assim,
Karpechenko criou uma nova espécie, o híbrido fértil da couve e do rabanete. O Triticale é outro híbrido fértil produzido pelo Homem, um poliplóide
do trigo e do centeio, que apresenta o vigor do centeio e o grão do trigo.
Actualmente, muitas das plantas cultivadas são poliplóides, como batatas,
bananas, cana de açúcar e café, bem como, calcula-se, cerca de 47% das
angiospérmicas. Os
organismos poliplóides são geralmente maiores, mais
fortes
e com maior capacidade de adaptação a novas condições que os
organismos diplóides pois apresentam uma grande resistência a doenças genéticas
e a mutações devido á redundância genética, o que lhes
permite “fugir” um pouco ás pressões de selecção. Ao
fim de muitas gerações de acumulação de alterações, estes seres deixam de
apresentar genes duplicados mas sim um novo conjunto de características,
originando uma diploidização. Esta situação
explica o enorme sucesso adaptativo dos organismos poliplóides na natureza. Este
fenómeno parece ter ocorrido com peixes da família dos ciprinídeos e ocorre
actualmente em lagartos Cnemidophorus tesselatus, peixes Poecilia
formosa (parente dos peixes de aquário mollys e guppies) e rãs Rana
esculenta. Este
fenómeno da poliplóidia não parece apresentar grandes problemas em plantas,
pois dado que estas podem reproduzir-se ao longo de incontáveis gerações
apenas vegetativamente (assexuadamente), os indivíduos estéreis podem
manter-se até que a poliplóidia ocorra espontaneamente. No
entanto, em animais superiores, como os
referidos anteriormente, como pode tal fenómeno
ocorrer ? Um
preconceito que se deve descartar é o facto de que não será possível a ocorrência
de reprodução assexuada em vertebrados pois tal existe e permite a poliplóidia.
Claro que o fenómeno não é geral, não se conhecendo reprodução clonal na
maioria das espécies. No entanto, após ultrapassada esta dificuldade, existem outras possibilidades, além da anteriormente explicada, para o surgimento do poliplóide. Uma
delas está esquematizada em seguida: Espécie A + Espécie B = híbrido AB por reprodução clonal ou ginogénese o híbrido AB pode tornar-se triplóide ABB ainda
assexuadamente, este pode tornar-se tetraplóide
AABB fértil Após a reprodução entre espécies diferentes o híbrido diplóide é estéril, apenas podendo manter-se por reprodução assexuada. Este tipo de reprodução faz-se a partir de uma fêmea, cujos óvulos funcionam como ovos, dando origem a clones de si própria. Este processo é anómalo em
vertebrados, não se conhecendo exactamente o mecanismo que o desencadeia. Por
vezes o estímulo para esse processo é a entrada de um espermatozóide, numa
copulação que não será seguida de uma fecundação pois o espermatozóide
será rejeitado e destruído. Ao
longo das gerações, esses clones exclusivamente femininos manter-se-ão deste
modo, coexistindo com a população normal diplóide, até que um dos espermatozóides,
por outra anomalia no processo, seja admitido originando um híbrido triplóide
ainda estéril. Se
tal fenómeno acontecer novamente, poderá formar-se o híbrido tetraplóide, o
qual, se as duplicações tiverem sido as correctas, será fértil, passando a
reproduzir-se sexuadamente. |
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Alterações cromossómicas e especiação |
Uma demonstração convincente da evolução da constituição cromossómica em populações foi feita através de estudos em Drosophila. As
diversas espécies de Drosophila estudadas apresentam 3, 4, 5 e 6 pares
de cromossomas, os quais teriam derivado de uma espécie ancestral comum, com 5
pares de cromossomas em forma de bastonete e um par em forma de ponto. Uma
hipótese explicativa da origem de Drosophila montana
considera que teria existido uma inversão pericentrica no cromossoma 2 da espécie
ancestral. Este facto não reduziria o número de cromossomas mas
impossibilitaria o seu emparelhamento correcto, criando um isolamento reprodutor
– esterilidade cromossómica. Em
D. littoralis teria ocorrido uma translocação entre os cromossomas 3 e
4 da espécie ancestral, reduzindo o número de cromossomas e impedindo, uma vez
mais o emparelhamento. Estas alterações cromossómicas modificam o arranjo dos genes de tal modo, que deixa de existir homologia. Os híbridos resultantes do cruzamento entre indivíduos com o genótipo ancestral e indivíduos com o novo genótipo são estéreis. |
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Especiação e modelos de evolução |
Relacionando
os mecanismos que conduzem á especiação com a evolução dos organismos, obtêm-se
quatro situações distintas:
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Temas relacionados: |
Mecanismos de isolamento Teorias sobre a evolução Argumentos a favor da evolução Genética de populações Evolução do Homem |
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