Evolução do Homem

Os seres humanos podem ser considerados um enorme sucesso ecológico, devendo ser o animal de grandes dimensões mais abundante na Terra. Os únicos que se podem aproximar de nós são os que domesticamos (vacas, galinhas, porcos e ovelhas) ou os que dependem dos habitats por nós criados (pardais e ratos, por exemplo).

Será por isso surpreendente notar que o nosso sucesso se deve a uma série de quase falhanços dignos de filme de suspense: somos grandes primatas, um grupo que quase se extinguiu há 15 M.a. em competição com os macacos, mais eficientes. Somos primatas, um grupo de mamíferos que quase se extinguiu há 45 M.a. em competição com os roedores, mais eficientes. Somos tetrápodes sinapsídeos, um grupo de répteis que quase se extinguiu há 200 M.a. em competição com os dinossáurios, mais eficientes. Somos descendentes de peixes com patas, que quase se extinguiram há 360 M.a., em competição com peixes de barbatanas, mais eficientes. E, por último, mas não menos espantoso, somos cordados, um grupo que sobreviveu mesmo à justa no Câmbrico, em competição com os artrópodes, brilhantemente bem sucedidos como se sabe ....

E no entanto, eis o nosso sucesso ecológico sem comparação!

Há cerca de 200 M.a., no início da era Mesozóica – a era dos répteis -, quando surgiram os primeiros dinossáurios, aparece pela primeira vez indicação da presença dos mamíferos. 

Estes primeiros mamíferos, actualmente considerados descendentes de répteis terapsídeos, apenas deixaram para a posteridade pedaços de crânios, dentes e mandíbulas mas tal foi o suficiente para obter muitas informações sobre esses animais:

  • eram animais pequenos, do tamanho de ratos actuais;

  • apresentavam dentes afiados, logo deveriam ser carnívoros. No entanto, devido ao seu tamanho, pensa-se que se alimentariam principalmente de insectos e vermes, ovos de répteis, etc.;

  • eram homeotérmicos, facto que pode ser deduzido da presença de palato (céu da boca) ósseo a separar a boca do nariz nos crânios. Esta característica existe nos organismos que respiram continuamente, mesmo quando se alimentam, o que é típico de organismos com elevados gastos energéticos, como os homeotérmicos. Este facto permitia-lhes manterem-se activos de noite e ao entardecer;

  • eram animais nocturnos, dado o elevado tamanho das órbitas;

  • teriam uma audição apurada pois o ouvido apresentava três ossos, enquanto os répteis apenas têm dois.

Até há cerca de 65 M.a. os mamíferos continuaram a sua existência nocturna discreta, até que os dinossauros se extinguiram. A libertação de tão grande número de nichos ecológicos provocou uma explosiva radiação adaptativa, surgindo em muito pouco tempo, do ponto de vista geológico, todas as principais ordens de mamíferos actuais: monotrématos, marsupiais e placentários. Por este motivo, a era Cenozóica é designada a  era dos mamíferos.                                                                                                                                                             TOPO

Ordem Primata

Os primatas constituem um grupo diversificado, que forma estruturas sociais complexas. A separação dos continentes, principalmente da Eurásia e da América, levou a duas grandes linhas evolutivas de primatas: símios do novo mundo (platirrineos) e símios do velho mundo (catarrineos). Deste último grupo, com evolução em África, surgiu o ramo antropomórfico.

Estes animais vivem geralmente em florestas tropicais, onde os seus membros hábeis e preênseis são uma boa adaptação à vida nas árvores. Em algumas espécies a cauda também é preênsil.

Os cientistas consideram a existência de cerce de 200 espécies de primatas, mas, com o desenvolvimento dos estudos conservacionistas, muitas outras têm vindo a ser descritas desde 1990. 

A variedade de primatas é facilmente reconhecida quando se observa um lémur-rato com 35 g e um gorila com mais de 200 Kg. No entanto, existem características mais ou menos comuns, como a presença de unhas e cauda (excepto nos antropomorfos).

Com excepção de algumas espécies de cetáceos, é nos primatas superiores que o cérebro é tão maior relativamente ao corpo, facto considerado um sinal de inteligência. Os hemisférios cerebrais, que tratam a informação sensorial e coordenam as respostas motoras, são muito desenvolvidos, permitindo uma visão apurada (fundamental para saltos precisos entre ramos).

Os primatas estão em sério risco pois as suas populações estão em rápido declínio devido à destruição de habitat e à caça ilegal de espécies protegidas (gorilas e orangutangos, por exemplo). Os primatas são também muito utilizados em pesquisas médicas e espaciais, devido à sua proximidade genética com o Homem.

O que distingue os primatas das outras ordens de mamíferos ?

A evolução de insectívoro a primata provocou algumas adaptações importantes:

  • Adaptação à vida arborícola – a vida arborícola é característica de todos os primatas, excepto o Homem, sendo um meio eficaz de evitar ataques de predadores. Este facto verifica-se mesmo em primatas que durante o dia vivem no solo, pois à noite dormem em ninhos nas árvores. Para que possam viver deste modo várias estruturas se desenvolveram:  

  • dedos preênseis - os primatas são, comparativamente, pouco especializados, pois as suas extremidades ainda se assemelham às dos mamíferos primitivos, ou seja, às dos répteis. Esses antigos mamíferos apresentavam sempre cinco dedos separados em cada membro, mas a maioria evoluiu para extremidades melhor adaptadas a correr, saltar, capturar a presa, cavar ou nadar. Apenas os primatas mantêm o padrão primitivo, acrescentando um polegar oponível, tanto nos membros anteriores como posteriores.

  • unhas -  os dedos não apresentam garras, o que facilita a protecção das polpas tácteis das pontas dos dedos e facilita o acto de agarrar.

  • articulações com grande mobilidade – as articulações do punho, cotovelo, ombro, anca e pescoço são particularmente móveis, o que torna os primatas animais muito ágeis. A nível do membro anterior, os primatas mantiveram outros aspectos considerados primitivos:

    • a estrutura quadrúpede básica tem no membro anterior dois ossos (rádio e cúbito) mas apenas os primatas mantiveram a capacidade de fazer girar o rádio (o osso do lado do polegar) sobre o cúbito, levando á capacidade de girar a mão sem que exista movimento do cotovelo ou do braço - pronação. Outra importante capacidade mantida pelos primatas, a este nível, é a possibilidade de rodar a mão para cima e para baixo, a nível do pulso - supinação;

    • articulação do "ombro" – a maioria dos mamíferos perdeu a capacidade de rodar o braço para o lado a nível do "ombro", apenas conseguem rodar para a frente e para trás mas os primatas conseguem-no o que é fundamental para quem salta de ramo em ramo com segurança.

  • visão estereoscópica – as órbitas frontais permitem uma visão binocular, pelo menos em grande parte do campo de visão, o que favorece a percepção de profundidade e o cálculo de distâncias, para uma movimentação mais segura. 

Este facto levou a um predomínio do sentido da visão sobre todos os restantes sentidos, levando ao característico achatamento da face, consequência da redução das mucosas olfactivas.

  • Adaptação à vida em sociedade – tirando orangutangos e algumas espécies de lémures e gálagos, todos os primatas levam uma vida em grupo. Estes grupos ou bandos são frequentemente formados por várias fêmeas e um ou dois machos adultos. Estes grupos podem atingir algumas centenas de indivíduos, podendo subdividir-se. 

Algumas espécies, quase todas de macacos do Novo Mundo, formam casais monogâmicos. Estas sociedades são mantidas por comportamentos característicos, como o catar comunitário.

A vida em sociedade tem a grande vantagem da protecção do grupo e a facilidade de transmissão de conhecimentos. A sociabilidade dos primatas tem surgido como resultado de características biológicas, como a existência de um único filho por gestação, com um prolongado período de crescimento pós-natal, durante o qual aprende, para disso fazer uso mais tarde. 

O predomínio da visão sobre o olfacto também favorece o comportamento social.

  • Desenvolvimento das faculdades mentais – o desenvolvimento progressivo de faculdades mentais corresponde á existência de uma face maior em relação ao crânio e de um maior encéfalo, em relação ao corpo. Os gorilas apresentam um encéfalo com 500cm3 e o Homem apresenta 1400cm3.

  • Adaptação a uma alimentação omnívora – os  primatas têm uma alimentação variada, embora os mais pequenos sejam predominantemente insectívoros, enquanto os maiores se alimentam de frutos, sementes e pequenos animais. Apenas os társios são exclusivamente carnívoros. 

Deste modo, há uma redução dos músculos da mastigação, bem como das cristas de inserção dos músculos no crânio. Os dentes molares apresentam tubérculos e a arcada dentária passa de uma forma em V para uma forma em U.                           TOPO

Evolução dos Hominóides

Já Lineu, em 1758, tinha considerado todos os Homens como pertencentes à mesma espécie, Homo sapiens.

Com o desenvolver das ideias evolucionistas, questionou-se pela primeira vez a origem do Homem. Darwin considerou a espécie humana como o resultado de uma longa evolução, a partir de espécies ancestrais, por acção da selecção. Também considerou, pela primeira vez, que o Homem e os grandes símios actuais derivavam de um mesmo ancestral comum. 

No entanto, os restos fragmentados que eram conhecidos não permitiam o esclarecimento devido da questão. O desejo de encontrar o “elo perdido” era tal que surgiram inúmeras fraudes, como o Homem de Piltdown.

Que dados fornecia a paleontologia, que permitisse concluir quando ocorreu a separação entre os géneros Pongo (orangotango), Gorilla e Pan (chimpanzé) ? 

Pensava-se que bastaria encontrar um fóssil ancestral comum a todos esses géneros, tal como Darwin tinha sugerido.

Com a descoberta do género Proconsul, que teria vivido há cerca de 17 a 20 M.a., os cientistas pensaram ter encontrado esse “elo perdido” mas tal não aconteceu. Actualmente esse género é designado Dryopithecus.

Mais recentemente descobriu-se o Ramapithecus, género de há 15 M.a., provavelmente resultante da evolução do Proconsul, e que foi considerado o elo que faltava para o ramo hominídeo.

Concluía-se, então, que o Ramapithecus seria o ancestral mais antigo dos hominídeos, cuja separação do ramo primata teria ocorrido há 14 M.a.  Posteriormente, há cerca de 5 a 7 M.a., os ramos dos grandes símios ter-se-iam separado entre si.

A partir dos anos 60, novas descobertas permitiram uma reformulação completa da filogenia anteriormente aceite:

  •  Posição do Ramapithecus – a análise das proteínas dos fósseis de Ramapithecus levou á conclusão que este género era mais aparentado com os actuais orangotangos que com o Homem, chimpanzé ou qualquer outro primata actual. Conclui-se, portanto, que este género é um ancestral directo do orangutango e não um qualquer “elo perdido” na evolução humana.

  • Separação do ramo hominídeo – se estava definitivamente provada a separação do ramo orangutango há cerca de 15 M.a., o que se teria passado em relação ao restante tronco ?

  • dados cromossómicos – o estudo dos cariótipos revelou que o Homem tem 23 pares de cromossomas, enquanto os grandes símios apresentam 24 pares. Desses, 13 pares de cromossomas humanos são virtualmente idênticos aos dos chimpanzés, diferindo os restantes apenas parcialmente. O cromossoma 5 humano e do chimpanzé apresenta as mesmas bandas de coloração, mas por ordem diferente. 

Este facto pode ser explicado por uma inversão pericentrica. O cromossoma 2 humano resulta de fusão entre dois cromossomas de chimpanzé, o que explica o facto de o Homem apresentar menos um par que os restantes grandes símios. Estes estudos revelam um grau de semelhança muito grande entre os patrimónios genéticos dos géneros Homo e Pan.

  • dados de análise de proteínas – estudos das proteínas humanas e do chimpanzé revelam um grau de semelhança de 99%. Este grau de semelhança só existe entre espécies gémeas (iguais morfologicamente).

  • dados geológicos – a trifurcação do ramo restante, após a separação dos orangotangos, parece apoiada por dados geológicos. A formação, no leste de África, do Rift, separou a população ancestral dos grandes símios em duas, a do lado oeste do Rift numa floresta húmida teria originado os gorilas e os chimpanzés actuais, enquanto a do leste, numa zona mais estéril e plana, teria originado o Homem.

  • dados de DNA mitocondrial – o DNA mitocondrial é mais fácil de analisar pois é menor, daí a sua importância para estudos desta natureza. Os estudos realizados confirmam a evolução próxima de Homem e chimpanzés mas revelam uma separação do ramo humano anterior á diferenciação entre chimpanzés e gorilas.

Conclusão: a nova árvore genealógica considera que os chimpanzés e os gorilas se separaram há cerca de 3 M.a., 2 M.a. mais tarde que a separação dos hominídeos da linha principal. 

O ancestral comum seria um pequeno símio bípede e o chimpanzé e o gorila teriam perdido a capacidade da marcha bípede posteriormente. TOPO

Evolução dos Hominídeos Durante muitos anos foram os aspectos culturais e intelectuais os decisivos  na separação dos hominídeos, em relação aos restantes símios. Por esta ordem de ideias são características exclusivas do Homem:
  • inteligência superior;

  • linguagem articulada;

  • elaboração de conceitos abstractos (o futuro, por exemplo);

  • fabrico e manuseio de instrumentos;

  • vida social complexa e com esforço cooperativo.

Actualmente outros aspectos são considerados igualmente, ou talvez mais, importantes para a definição da família Hominidae:

  • Características morfológicas – neste grupo pode-se considerar diversos aspectos:

  • cérebro de grande capacidade, tanto funcional como em tamanho (o mínimo de um Homem é 1000cm3 e o máximo de um gorila é de 650cm3);

  • caixa craniana maior que a face;

  • face vertical com arcada supraciliar reduzida, maxilar inferior pouco saliente e com dentes de tamanho regular;

  • cabelo longo de crescimento contínuo e pêlos corporais escassos;

  • mãos com polegares bem desenvolvidos e oponíveis, pernas 30%  mais longas que os braços e mais fortes, dedo grande do pé não oponível;

  • corpo com camada de gordura subcutânea;

  • dentes em arcada arredondada, caninos pequenos e pré-molares bicuspides;

  • infância e maturação esquelética prolongada.

  • bipedismo levou ao surgimento de numerosas alterações a nível evolutivo e morfológico:

    • Aspectos evolucionistas - certos autores consideram esta característica como a verdadeira causa do desenvolvimento das outras características humanas, dado o Homem ter libertado as mãos para manejar e desenvolver ferramentas, com o desenvolvimento cerebral daí resultante. A teoria actual (Coppens, 1983), conhecida por “East side story”, tem em conta os locais onde apareceram os fósseis de hominídeos. Estes fósseis só existem no leste africano, pois o Rift criou uma barreira geográfica que separou a população ancestral em dois grupos. Os antropomórficos do lado oeste divergiram para os macacos actuais, devido ao meio luxuriante se manter. Os do lado leste ficaram encurralados numa zona donde desapareceram as florestas, ficando uma extensão de savana. Deste modo foram obrigados a modificar o seu modo de locomoção, para permitir o transporte de alimentos a grandes distâncias. O bipedismo também permite uma maior eficiência a percorrer longas distâncias, o que originaria territórios muito maiores.

       

    • Aspectos morfológicos – no bipedismo, o corpo apoia-se exclusivamente nos membros inferiores e a deslocação efectua-se assentando alternadamente os pés, com um balanceamento do corpo. Além do Homem, poucos animais o conseguem e geralmente durante pequenas distâncias apenas (gibão, chimpanzé, por exemplo), pois a sua estrutura física não está para isso habilitada. No Homem a adaptação ao bipedismo e à postura vertical levou a importantes modificações anatómicas na cabeça, coluna vertebral e membros;

  • membros inferiores muito maiores que os anteriores;

  • orifício occipital, no crânio, é horizontal e localizado por baixo da cabeça, permitindo que esta fique bem estável. Nos macacos, por exemplo, o orifício occipital está deslocado para trás e é oblíquo;

  • coluna vertebral é um eixo vertical que sustenta o corpo, permitindo-lhe mover-se graças ás vértebras articuladas entre si e separadas por discos intervertebrais maleáveis. Apresenta quatro curvaturas que se compensam mutuamente: cervical (concavidade posterior), dorsal (concavidade anterior), lombar (concavidade posterior) e sacra. A ligação lombar/sacra forma um promontório que sustenta todo o peso da parte superior do corpo;

  • bacia em forma de cesto, enquanto nos macacos é alongada e estreita, permite sustentar as vísceras e fornece uma maior superfície de inserção aos músculos dos membros inferiores (principalmente ao grande glúteo). A cada passo o peso total do corpo passa de um pé para o outro, logo para que não se caia a cada passo é necessário que a bacia oscile para cima e para baixo;

  • fémur alongado, delgado e orientado obliquamente permite o alinhamento das articulações da bacia e joelho. Por este motivo é possível juntar os pés;

  • centro de gravidade é baixo pois o peso do corpo está deslocado para os membros inferiores, ao contrário dos macacos, que têm um tronco bastante pesado. Este facto permite uma maior estabilidade à marcha;

  • pé é o suporte da totalidade do peso do corpo, sendo uma das maiores modificações morfológicas verificadas no Homem. O dedo grande do pé é longo, robusto e paralelo aos restantes. Através do seu primeiro metatarso o peso é deslocado do calcanhar para a extremidade do pé, sem que exista apoio na zona exterior do pé, como nos macacos. O pé funciona como uma plataforma extremamente flexível e estável.

  • Evolução do cérebro – outros autores consideram a principal causa do desenvolvimento da espécie humana a evolução do cérebro. Parece existir uma simultaneidade entre o surgimento do bipedismo e o aumento de volume do cérebro. 

Tendo em conta o peso médio do Homem, o cérebro humano é o maior e o mais pesado entre todos os animais. A sua zona externa, o córtex, é muito desenvolvida e nela residem as funções intelectuais. Para comparar o tamanho do cérebro em animais de peso corporal diferente pode utilizar-se o quociente de cefalização (razão entre o peso do cérebro e o do corpo): se for inferior a 1, a espécie tem um cérebro menor que a média das espécies com o mesmo peso corporal; se for superior a 1, a espécie tem um cérebro maior que outras de peso semelhante. 

No caso humano o quociente de cefalização tem valor 8, ou seja, o cérebro é três vezes mais pesado que o de um primata de peso semelhante. 

  • Linguagem articulada – é uma característica exclusivamente humana. Entre mamíferos, as principais funções da linguagem consistem, a nível individual, na expressão de sentimentos ou sensações (satisfação, medo, etc.), e, a nível social, no alarme ou intimidação. Assim, a linguagem animal depende estritamente da sua função. O que distingue a linguagem humana é a capacidade de veicular símbolos, ideias e noções abstractas. 

É possível traduzir para linguagem animal uma frase do tipo “Dá-me uma maçã” mas não do tipo “Acho que ele sabe que penso como ele”. A capacidade de falar tem base genética mas a linguagem é essencialmente aprendida, daí a diferença na capacidade de expressão oral entre indivíduos. Se tal aprendizagem não se efectua durante a primeira infância, torna-se praticamente impossível ter a capacidade. 

A verdadeira diferença entre a linguagem humana e a animal é a prodigiosa riqueza da primeira. A partir de algumas dezenas de sons fundamentais associados a um ritmo muito rápido surge a palavra. Estes sons são produzidos na laringe, órgão constituído por cartilagens e músculos, alguns dos quais formam as cordas vocais, suspensas do osso hióide. A laringe apenas faz variar a frequência dos sons produzidos, o ar expirado passa seguidamente para a faringe e depois para a cavidade nasal e boca. As modificações de forma da boca, graças aos movimentos da língua, véu palatino e lábios, permitem a diferenciação dos sons. As cartilagens e tecidos moles não fossilizam bem logo apenas se pode estudar os ossos da face interna da maxila inferior, palato e buraco occipital. 

No entanto, estudos deste tipo já permitiram concluir que o Homem de Neanderthal apresentaria um aparelho vocal semelhante ao dos recém-nascidos, o que os impediria de pronunciar as vogais. Já os Australopithecus teriam um aparelho vocal semelhante ao dos macacos actuais.

  • Aspectos culturais – este aspecto é marcante para o Homem mas também existe em alguns outros primatas. Além do programa genético e hereditário, existe a herança social, não ligada á hereditariedade e que permitiu o progresso humano em cada geração.      TOPO

Evolução dos Hominídeos
Crânio de Australopithecus (reconstrução)

Os primatas do género Australopithecus são os primeiros hominídeos que se conhecem. Viveram na África do sul e oriental, entre 4 a 2 M.a. 

Apresentavam um volume craniano semelhante ao dos símios (500 cm3) mas já tinham alguns caracteres humanos:

  • dentição primitiva mas sem caninos salientes e com incisivos largos;

  • as mãos não eram usadas para andar como nos grandes símios actuais;

  • bacia larga e em forma de cesto, como num ser bípede.

Teriam, no máximo, 120 cm de altura e pesariam entre 27 a 32 Kg. A face era côncava (em forma de prato) e arcada supraciliar pronunciada.

Já tinham desenvolvido uma “industria do calhau”, oportunista pois as pedras eram usadas ao acaso. Actualmente pensa-se que talvez estes primatas pertençam a um ramo colateral da evolução humana.

Crânio de Homo erectus (reconstituição)

A designação Homo erectus designação inclui diversos fósseis, nomeadamente o Homem de Java, Homem de Pequim, Homem da Rodésia e outros vestígios europeus e africanos. Também já foi referido como Pitecanthropus.

Esta espécie terá vivido entre 2,5 M.A. e 130000 anos atrás. Apresentava uma capacidade craniana de 900 cm3, um acentuado prognatismo (saliência da zona inferior da face) mas sem queixo. A arcada supraciliar era muito saliente ainda.

A sua postura era nitidamente erecta, daí a sua designação, revelando um significativo aumento de estatura em relação aos seus ancestrais Australopithecus.

Foi o primeiro hominídeo a dominar o fogo, o que lhe permitiu reduzir a musculatura da mastigação na face pois a carne cozida é mais macia. O fogo permitiu, também, a expansão do seu território para zonas mais frias.

Já caçava animais de grande porte, o que denota organização e espirito de grupo. Desenvolveu a “indústria lítica”, com separação de lascas, depois usadas como pontas de seta e facas. Migrou da África, onde surgiu, para a Europa e para a Ásia.

Crânio de Homem de Neanderthal (reconstrução)

O chamado Homem de Neanderthal, Homo sapiens neanderthalensis, em homenagem à localidade alemã onde primeiro foi descoberto, viveu entre 50000 e 35000 anos atrás, durante o último período glaciar.

Os ossos do crânio são espessos, embora menos do que os do Homo erectus, com uma espantosa capacidade craniana de 1300 a 1750 cm3, superior à do Homem moderno. O crânio apresenta uma característica forma de sino, baixo e com pouca testa. 

As arcadas supraciliares eram muito desenvolvidas, prognata, sem queixo e com dentes maiores que os do Homem actual. De constituição atarracada, viveram principalmente na Europa ocidental e médio oriente mas nunca em África.

Foram descobertas sepulturas com ornamentos, produziam utensílios de pedra mais elaborados e finos. Utilizavam, também, ossos, madeira e outros materiais para a construção de utensílios. Desapareceram instantaneamente, à escala geológica, há cerca de 35000 anos.

As suas características tão especializadas parecem mostrar que não é um antepassado do Homem moderno, antes uma ramo colateral que se extinguiu.

Crânio do Homo sapiens sapiens
Crânio de Homem de Cro-Magnom

O Homem moderno terá surgido numa região compreendida entre a Etiópia e o próximo oriente pois existem fósseis como o do Homem da Galileia, que parecem estar na origem do tipo humano que se expandiu pelo mundo. 

O fóssil europeu mais conhecido é o Homem de Cro-Magnom, com cerca de 30000 anos.

São mais altos e menos possantes que os Homens de Neanderthal, sem arcadas supraciliares salientes, testa direita e ossos do crânio leves. O queixo é bem desenvolvido e a face é ortognata (plana).

São os inventores do supérfluos, como a arte e as diversões. Instalaram-se em aldeias e tornaram-se agricultores, após a última glaciação.

As diferenciações geográficas características das chamadas raças, terão surgido há cerca de 30000 anos.   TOPO

Modificações em populações humanas

Já em 1900 era do conhecimento geral a existência de 4 grupos sanguíneos em seres humanos, A, B, AB e O. Cada grupo sanguíneo corresponde á presença de certas estruturas moleculares (globulinas) na superfície de glóbulos vermelhos, sintetizadas com base na informação codificada nos respectivos genes.

O estudo dos grupos sanguíneos permitiu verificar que existem diferenças nas frequências dos diversos tipos, em diferentes locais do globo.

Já antes foi referido que o que distingue duas populações não é a presença ou ausência de determinado grupo sanguíneo mas a frequência relativa de cada grupo. Estudos verificaram que o gene cuja frequência sofre uma variação maior é o gene que codifica o grupo sanguíneo B. A sua frequência é máxima na Ásia, onde atinge 20 a 30% e diminui para Ocidente, com 15 a 20% no leste europeu, 5 a 10% em França e 0 a 5% em Portugal. 

Estes dados apontam para o surgimento, por mutação, do gene que codifica o grupo sanguíneo B, na Ásia, seguida do seu alastramento, por migração, para ocidente.

Também existem outros sistemas de grupos sanguíneos, nomeadamente o sistema Rhesus e o sistema Gm. O sistema Rhesus, ou Rh, é formado por dois tipos apenas: Rh+ ( a maioria dos casos) e Rh -. Trata-se de uma propriedade dos glóbulos vermelhos semelhante á que se encontra presente nos macacos do género Rhesus.

A espécie humana é ubíqua, existindo em todos os climas mas é um conjunto biológico homogéneo no que se refere às suas características. Apesar desse facto, alguns autores consideram-na acentuadamente polimórfica, em relação a características de segundo plano, dando origem ao conceito de tipo humano.

Existem várias classificações de tipos humanos mas geralmente existem 4 grupos básicos:

  • Caucasianos – europeus, norte-americanos e árabes, até á Índia. Estas populações apresentam, caracteristicamente pele e olhos claros, com excepção dos mediterrânicos, nariz estreito, lábios delgados e cabelo liso ou ondulado;

  • Australóides – aborígenes e povos com eles relacionados, que apresentam pele escura, variando do tom azeitona até ao quase negro, cabelo encaracolado, olhos escuros e nariz largo;

  • Mongolóides – pele amarelada, cabelos lisos, nariz de forma variada, rosto largo e achatado, olhos com prega epicântica na pálpebra superior (cuja função é proteger do clarão ofuscante da neve). Deste grupo terão derivado os índios americanos e os esquimós, através de populações que teriam migrado através do estreito de Behring;

  • Negros – pele escura, variando do tom acastanhado ao quase negro, nariz achatado, olhos escuros e cabelos crespos.

Qual a origem destes tipos?  

Existem duas teorias que tentam explicar estas diferenças morfológicas entre as populações humanas:

  • Hipótese policêntrica – a formação da actual população humana efectuou-se em vários territórios relativamente independentes, onde vários tipos de H. erectus teriam dado origem aos principais tipos actuais;  

  • Hipótese monocêntrica – o Homem actual terá surgido num território único, numa região algures entre a Ásia central e o nordeste africano, onde teria ocorrido o cruzamento de numerosos hominídeos, entre eles o H. erectus e H. sapiens, o que teria enriquecido o seu património genético. Só posteriormente se teriam formado as várias populações geográficas, que originaram os tipos.

Actualmente sabe-se que a cor da pele, por exemplo, um dos critérios mais importantes na classificação das raças humanas, resulta apenas da quantidade variável de melanina na pele. Verifica-se, portanto, uma variação quantitativa e não qualitativa, para não falar do espectro de variação dentro do mesmo tipo, que é  muito maior que a variação entre tipos.

É sabido que uma boa classificação se deve basear num conjunto de caracteres representativos mas no caso humano, os caracteres utilizados não variam dentro das raças de modo correlacionado. Outro aspecto a salientar é a utilização do termo subespécie á população humana, pois este termo só pode ser aplicado a populações que mostrem uma concordância acentuada dum numeroso conjunto de caracteres distintivos, o que não é o caso do Homem.

De todos estes argumentos pode concluir-se que os tipos humanos não têm qualquer significado biológico.                                                 TOPO

Temas relacionados:

Especiação   Teorias sobre a evolução   Argumentos a favor da evolução   Genética de populações

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