Transporte em plantas

A estrutura e complexidade do sistema de transporte de qualquer ser vivo depende do seu tamanho e da sua actividade. Nos seres unicelulares já existe um processo de transporte, através das correntes citoplasmáticas, mas a multicelularidade, porque afastou grande parte das células do meio, só pode ser alcançada com o desenvolvimento de sistemas de transporte.

A razão área/volume é um factor determinante no desenvolvimento destes sistemas, pois quanto menor esta for, mais desenvolvidos aqueles têm que ser. As diferenças entre o modo de vida de animais e plantas reflectem-se no modelo de sistema de transporte que apresentam: as grandes plantas têm que transportar materiais a grandes distâncias mas, sendo sedentárias, não necessitam de sistemas particularmente rápidos.

A invasão do meio terrestre pelas plantas, como já foi referido, deverá ter ocorrido associada a estruturas e mecanismos fisiológicos que permitiram a adaptação ás novas condições.

Nas plantas sem tecidos condutores especializados, o movimento de solutos e água é muito simples, usando a osmose e difusão, segundo os gradientes de concentração. Apesar disso, mesmo nas briófitas já existem células com algum grau de especialização no transporte de substâncias.

Todos os vegetais traqueófitos apresentam um sistema duplo de transporte de substâncias, muito eficaz e grande valor adaptativo para o meio terrestre. É através deste sistema que se realiza o movimento de água e solutos, orgânicos e inorgânicos – translocação.

No xilema é movimentada a seiva bruta (água e sais minerais com um pH ligeiramente ácido, entre 5,4 e 6,5), da raiz para todas as partes aéreas da planta, enquanto que no floema se desloca a seiva elaborada (água, solutos orgânicos – geralmente sacarose com concentrações entre 10 e 30%, aminoácidos, hormonas, etc. - e inorgânicos com pH ligeiramente básico, entre 7,5 e 8,5), em especial das folhas para outros órgãos das plantas.TOPO

Absorção de água pela raiz

A grande maioria da água e solutos necessários á vida das plantas são absorvidos pelas raízes, num transporte a curta distância, ou  lateral, feito célula a célula.

A água representa cerca de 85-95% do peso das plantas pelo que as suas necessidades diárias desse líquido são imensas, mais de 10 vezes a quantidade que um animal do mesmo peso necessitaria. Este facto resulta de 90% da água captada apenas transitar pelo corpo da planta, sendo libertada para a atmosfera sob a forma de vapor.

A eficiência na captação de água deve-se á presença de pelos radiculares, que aumentam grandemente a área das células da raiz em contacto com o solo.

A água tende a deslocar-se de zonas hipotónicas (menos concentradas) para zonas hipertónicas (mais concentradas), ou seja, de zonas com elevado potencial hídrico para zonas de baixo potencial hídrico, através de uma membrana selectiva, como a plasmática.

Nas células da raiz a solução citoplasmática é hipertónica (menor potencial hídrico) devido a todos os conteúdos celulares habituais. Este facto leva a que haja uma deslocação passiva – osmose e difusão - da água, arrastando alguns solutos mais concentrados no solo, para as células do córtex radicular e daí até ao xilema.

A solução do solo é geralmente muito diluída mas as raízes podem acumular iões em concentrações centenas de vezes superiores, pelo que este movimento contra o gradiente de concentração é feito por transporte activo. Este transporte torna a solução interna ainda mais hipertónica, diminuindo o potencial hídrico e causando mais entrada de água por osmose. Este transporte activo continua pelo interior da planta até ao xilema, originando um gradiente osmótico que passa a água do córtex para o xilema.

As plantas absorvem numerosos iões, mesmo desnecessários ou tóxicos, do solo, pelo que é necessário ter grandes cuidados na dispersão de substâncias potencialmente venenosas para os seres vivos. 

Por vezes, no entanto, esta capacidade das plantas pode ser proveitosa para “limpar” solos contaminados, desde que estas não sejam utilizadas na alimentação. 

O percurso seguido pelos solutos e água absorvidos pelas raízes até ao xilema ainda não é completamente conhecido mas considera-se que existem duas vias:  

  • Via simplasto – deslocação pelo interior dos citoplasmas das células do córtex, seguindo os plasmodesmos entre elas;

  • Via apoplasto – deslocação através da matriz das paredes celulares e espaços intercelulares. Considera-se que este deva ser o percurso preferencial, dada a rapidez registada no movimento de água no interior da raiz, cerca de 60 vezes superior à prevista para movimentos citoplasmáticos. 

No entanto, a nível da endoderme, a deslocação é obrigatoriamente via simplasto, devido aos espessamentos impermeáveis que este tecido apresenta, o que permite uma selecção dos materiais que atingem o xilema. A endoderme evita igualmente o retrocesso da água, do xilema, para o córtex.

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Translocação da seiva bruta

Esta deslocação da seiva bruta, das células da epiderme da raiz até ao cilindro central é feita na horizontal, não sendo por isso difícil de explicar. Mais difícil de entender é como a seiva bruta se desloca na vertical, contra a gravidade, por vezes até 100 metros de altura, sem a ajuda de bombas de qualquer tipo, baseando-se apenas em forças físicas.

Existem duas teorias que tentam explicar estes movimentos:TOPO

Teoria da pressão radicular (absorção de água pela raiz)

Este é um fenómeno facilmente observável em numerosas plantas, que quando cortadas continuam da deixar sair água – exsudação – ou pequenas gotas de água são libertadas por poros especiais nas folhas, os hidátodos, no fenómeno da gutação. 

Estes fenómenos ocorrem devido ao transporte activo de iões para o interior da raiz, o causa uma diminuição do potencial hídrico e a entrada de água, a qual causa uma tal pressão (por vezes até 3 atmosferas) nas células do xilema, que faz subir o nível da seiva bruta na planta. 

No entanto, este fenómeno parece não ser universal, certos tipos de árvores não apresentam pressão radicular (coníferas, por exemplo) e noutras esta não parece ser suficientemente forte, pelo que deverá existir outro mecanismo que explique a ascensão da seiva bruta nas plantas.TOPO

Teoria da Tensão-coesão

Estudos realizados por volta de 1894 por Dixon Joly permitiram concluir que existe uma relação directa entre a transpiração e a ascensão da água no xilema, sendo a primeira o motor essencial à ascensão da seiva bruta. 

Teoria da tensão-coesão-transpiração como explicação para a translocação xilémica

A energia solar é a responsável pela transpiração, que ocorre a nível das células do mesófilo, sendo o vapor de água libertado pelos estomas, devido ás paredes húmidas das células do mesófilo que se encontram em contacto com as câmaras estomáticas. 

Este fenómeno causa uma deficiência de água nas folhas, o que diminui o seu potencial hídrico pois a concentração de solutos aumenta – tensão. Como as células do mesófilo estão hipertónicas em relação ao xilema a água desloca-se para a folha. 

As moléculas de água são polares, pelo que estabelecem pontes de hidrogénio entre si, formando uma coluna mais ou menos contínua de água no interior dos vasos xilémicos – coesão. Esta coesão entre moléculas de água é extremamente forte, cerca de 100 vezes superior ao que seria necessário para formar uma coluna de água com 100 metros de altura. A polaridade da molécula de água explica igualmente a sua enorme capacidade de adesão a outras substâncias, nomeadamente ás paredes dos vasos xilémicos. 

Deste modo, a evaporação a nível da folha causa o movimento de toda a coluna de água, tanto mais rapidamente quanto maior for a taxa de transpiração. Esta ascensão cria um défice de água no xilema da raiz, fazendo com que mais água passe do solo para o córtex e deste para o para o cilindro central, numa corrente de transpiração, que parece explicar a subida de água acima dos 100 metros de altura, o que inclui mesmo as árvores mais altas. 

Este processo apenas funciona se a corrente não for quebrada, o que pode acontecer por interposição de bolhas de ar. Se a corrente não for restabelecida, o vaso xilémico deixa de ser funcional. 

As características do xilema ajudam a que este processo seja extremamente eficaz, pois a ausência de conteúdo celular não cria obstáculos ao movimento da coluna de água, a parede lenhificada impede o colapso e o diâmetro reduzido dos elementos dos vasos facilita a adesão e a coesão.TOPO

Controlo da transpiração

As folhas perdem diariamente o seu peso em água, o que pode querer dizer mais de 700 litros de água por dia numa árvore de médio porte. Da água que penetra as raízes, apenas uma pequena parte é retida pelas células, a maior parte passa a vapor, enchendo os espaços intercelulares do mesófilo.

Relação entre a fotossíntese e a transpiração

A água evapora principalmente através dos estomas (apesar de estes apenas representarem cerca de 1 a 2% da área superficial da folha), tanto das folhas como dos caules herbáceos, embora exista uma pequena percentagem de perdas através da cutícula (cerca de 10%) dado que esta não é completamente impermeável aos gases.

Esta evaporação pode ser controlada, no entanto, pois os estomas abrem e fecham, sob controlo da planta, embora o mecanismo exacto não seja ainda conhecido.

Os estomas têm uma estrutura característica e distinta das restantes células epidérmicas, com duas células-guarda em forma de rim cuja parede interna, que rodeia a abertura ostíolo, é mais espessada. 

Este facto faz com que as restantes paredes das células-guarda tenham maior elasticidade, o que permite abrir ou fechar o estoma, de acordo com o grau de turgescência da célula.

Ao contrário das restantes células epidérmicas, as células-guarda têm cloroplastos, embora a sua acção fotossintética seja reduzida, pelo que não se considera que seja o resultado da fotossíntese o responsável pelas alterações de turgescência destas células.

O grau de turgescência das células-guarda pode variar devido a diversos factores:  

  • concentração de iões - um dos mecanismos mais aceites para explicar a abertura e fecho dos estomas, resulta do transporte activo de iões, nomeadamente potássio, para interior das células-guarda, provindo das restantes células epidérmicas. 
    Regulação da abertura dos estomas por movimento de iões

    A variação da concentração de ião K+ parece estar relacionada com pigmentos sensíveis á luz, presentes na folha. Este movimento de K+ torna as células-guarda hipertónicas, a água desloca-se passivamente para o seu interior e a sua turgescência abre o estoma. Quando o transporte activo cessa, o K+ flui naturalmente para as células epidérmicas, as células-guarda tornam-se hipotónicas e plasmolizam, fechando o estoma. 

    Em caso de não existir quantidade de água suficiente no solo, a planta forma ácido abscísico, uma hormona que impede o transporte activo de K+ para as células, fechando o estoma e impedindo a transpiração excessiva;

 

  • Luz, dióxido de carbono e pH - estes três factores estão intimamente relacionados pois influenciam a acção da enzima fosforilase, que actua na síntese e degradação de amido nas folhas e existe em grande quantidade nas células-guarda. 

    Em presença de luz realiza-se a fotossíntese, o que diminui a concentração de CO2 para níveis mínimos (0,03%), logo não existe formação de ácido carbónico (H2CO3) e o pH sobe (básico). Nestas condições a fosforilase hidrolisa o amido em glicose, pelo que este açúcar solúvel torna as células-guarda hipertónicas. A consequente entrada de água causa a turgescência e a abertura do estoma. 

    Na obscuridade, ou seja, em meio ácido, a fosforilase sintetiza amido, açúcar insolúvel, tornando as células-guarda hipotónicas e o estoma fecha. Esta variação de concentração de amido vs. glicose é exactamente a inversa do que acontece nos restantes células da planta. 

    Estudos revelaram igualmente que as células-guarda retêm o seu amido durante longos períodos de escuridão, quando a planta está altamente deficitária em glícidos, demonstrando a importância deste composto para o funcionamento do estoma.

    Diversos factores ambientais afectam a taxa de transpiração mas a luz tem, sem dúvida, um papel fundamental, dado que os restantes factores apenas podem actuar com os estomas abertos. Esses factores são a temperatura do ar, humidade atmosférica, vento e água no solo.  

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Translocação da seiva elaborada

A seiva elaborada desloca-se através do floema para todos os órgãos da planta. Os  estudos realizados sobre a translocação de materiais orgânicos nas plantas foram feitos através de remoção de um anel externo no tronco de árvores, removendo o floema. 

Nesses estudos observou-se que, após um certo tempo, havia um acumular de substâncias na zona superior ao corte, devido á interrupção do movimento de seiva elaborada.

As células vivas do floema são extremamente frágeis, pelo que o introdução de instrumentos de estudo bloqueava frequentemente a sua função normal. 

Assim, os estudos iniciais foram realizados com a ajuda de pequenos afídeos, que parasitavam este tecido. Se o animal for cortado observa-se uma exsudação de seiva elaborada, o que revela uma pressão floémica.

A velocidade de deslocação da seiva elaborada é inferior á da seiva bruta mas ainda consideravelmente superior á da difusão da sacarose na água.

Verificou-se, igualmente, que o sentido de deslocação da seiva elaborada varia consoante as necessidades metabólicas da planta, podendo ser de uma folha para uma raiz modificada para armazenar reservas numa dada altura e da raiz para um fruto em desenvolvimento noutra altura.TOPO

Teoria do fluxo de massa ou de Munch
Aparelho para demonstração da teoria de Munch

A deslocação de materiais no floema tem sido explicada pela teoria do fluxo de massa, proposta por Munch em 1926. Esta teoria considera que os movimentos se devem á existência de um gradiente de concentração de sacarose, que se estabelece entre um órgão produtor de açúcar e um local de consumo desse mesmo açúcar.

Munch usou um modelo físico para explicar a sua teoria: usou dois recipientes, A e B, de membrana permeável á água e impermeável á sacarose. O recipiente A é cheio com solução concentrada de sacarose e o recipiente B com água. Os recipientes são ligados por um tubo e mergulhados numa tina com água.

O que se verifica é que a entrada de água para o recipiente A, com a solução hipertónica, causa um aumento tal de pressão que a solução se desloca no tubo até ao recipiente B, arrastando consigo a sacarose. 

No recipiente B a água sai novamente para a tina. Este fluxo pára quando as concentrações se igualam nos recipientes A e B, mas se for adicionada sacarose ao recipiente A, este fluxo nunca pára.

Entrada da sacarose para o floema, através de transporte activo

A glicose elaborada nos órgãos fotossintéticos, como as folhas, é convertida em sacarose e transferida do mesófilo para os elementos dos tubos crivosos por transporte activo, com a ajuda das células companheiras e parenquimatosas, cuja taxa respiratória é muito elevada.

O aumento de concentração de açúcar no floema causa a entrada de água, vinda do xilema e das células vizinhas, o que causa a deslocação da seiva elaborada através das placas crivosas, para onde a pressão seja menor.

Nos locais de consumo a sacarose é retirada, possivelmente por transporte activo, principalmente em órgãos de reserva.

A saída dos açucares torna as células floémicas hipotónicas e a água tem tendência a sair para as células vizinhas, principalmente xilema.

A passagem dos açucares a todos as células será feito, posteriormente, através de transporte citoplasma a citoplasma.

Segundo esta teoria, portanto, o papel dos elementos dos tubos crivosos é relativamente passivo, o que não parece de acordo com o facto de estes serem células vivas, ainda que altamente modificadas.

Esta teoria também não permite explicar deslocações simultâneas de seiva elaborada, no mesmo tubo floémico, em sentidos opostos (para baixo da folha e para cima de um órgão de reserva, por exemplo, em épocas de crescimento intenso), bem como o facto de as placas crivosas serem obstáculos importantes, que necessitariam de uma pressão floémica bem mais elevada do que a registada para serem ultrapassadas.

Teoria do fluxo de massa como explicação para a translocação floémica

Deste modo, numa tentativa de explicar melhor os fenómenos observados, vários autores consideraram que deveria existir um transporte activo no interior dos tubos crivosos, o que parece comprovado pelo facto de substâncias inibidoras da respiração celular causarem importante redução de velocidade na deslocação da seiva elaborada.

No entanto, os estudos realizados não permitiram, até agora, descobrir um outro mecanismo que permita explicar melhor o processo de translocação no floema, pelo que se permanece na dúvida.TOPO

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