Classe Reptilia

Esta classe inclui quatro ordens: os escamosos (serpentes, lagartos e afins), os crocodilianos (crocodilos, aligátores, caimões e afins), os quelónios (tartarugas e cágados) e os rincocéfalos (tuataras da Nova Zelândia). Estas são as sobreviventes das 20 que floresceram durante o Mesozóico, a era dos répteis, quando estes animais dominavam o panorama animal terrestre.  

Os répteis surgiram, a partir de ancestrais anfíbios, há cerca de 340 M.a. Diferiam dos seus  "primos" em dois aspectos fundamentais: a pele era rija e escamosa, o que os protegia do desgaste  contínuo do  movimento e da evaporação excessiva, e, provavelmente mais importante, reproduziam-se através de um ovo amniótico. Estas características permitiram que os répteis se afastassem das margens dos corpos de água a que os anfíbios estavam restritos, colonizando extensivamente o meio terrestre.

O nome da classe refere-se ao modo de deslocação característico destes animais (l. reptum = rastejar) e o seu estudo designa-se herpetologia (gr. herpeton = réptil).

A maioria dos répteis, tanto espécies como número de indivíduos, vivem em zonas tropicais e subtropicais, caindo o seu número abruptamente em direcção aos pólos e em altitude. São predominantemente predadores, embora algumas tartarugas e lagartos possam ser vegetarianos. 

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Estrutura Corporal

Estes animais foram os primeiros vertebrados a adaptar-se à vida em meio seco, no ambiente terrestre, nomeadamente devido às seguintes características:

Acima: Lagarto aquece-se ao sol. Em baixo: Cobra em plena muda de pele. A pele começa a soltar-se a partir da mandíbula e a cobra facilita a sua libertação esfregando-se e prendendo-a em ramos.
© Canadian Museum of Nature / Musée canadien de la nature
Acima: Visão ao raio-X do esqueleto anterior de um lagarto

O  corpo do réptil é coberto por uma pele não mucosa (com poucas glândulas superficiais pois a pele perde a função de órgão respiratório que apresentava nos anfíbios), geralmente com escamas epidérmicas (em filas transversais e longitudinais) ou escudos córneos, o que os torna capazes de viver em meios secos.

A pele é composta por duas camadas principais: epiderme e derme. As escamas são produzidas pela epiderme e são compostas por queratina. Ao contrário das escamas dos peixes, não podem ser removidas individualmente e devem ser substituídas regularmente - muda -, permitindo o crescimento e eliminando o desgaste. As cobras substituem a pele toda de uma vez só, como se retirassem uma meia, mas os restantes grupos de répteis soltam-na em pedaços.

As escamas apresentam frequentemente esculturações que dispersam a luz e reduzem a quantidade de radiação que penetra profundamente no corpo. A pigmentação das escamas é responsável pelas manchas e coloração do corpo, servindo de camuflagem ou exibição. Em alguns lagartos, as escamas evoluíram para "cristas", "chifres" ou outras formas exóticas, usadas em rituais de acasalamento ou com defesa.

Permanecem zonas de pele fina entre as escamas e escudos, o que lhes dá flexibilidade, que  é ainda aumentada pela disposição de fibras na derme, permitindo que uma cobra engula algo até 6 vezes superior ao diâmetro do seu corpo. 

A forma e disposição das escamas é característica da espécie, sendo um importante critério de classificação de répteis.

O esqueleto é totalmente ósseo, crânio com um côndilo occipital, limitado ventralmente por um palato, que separa as passagens respiratórias e digestivas.

Formado por elementos ósseos, fornece uma sustentação adequada à vida em meio terrestre, ao contrário do dos anfíbios. Com excepção dos crocodilianos, os répteis têm as patas para os lados e não por baixo do corpo, o que os obriga a deslocarem-se rastejando. 

Em muitos répteis o crescimento ósseo não termina com a maturidade sexual, o que permite a muitos exemplares atingirem tamanho gigantesco.

Membro anterior de um lagarto, mostrando as fortes garras em cada dedo

Tipicamente os répteis apresentam dois pares de patas (capazes de movimentos rápidos), cada uma com 5 dedos terminando em garras córneas, adaptadas a correr, rastejar ou trepar. As garras protegem as pontas dos dedos e ajudam à locomoção em meios ásperos. 

Alguns têm patas reduzidas ou totalmente ausentes no adulto, como as cobras, embora alguns membros considerados mais primitivos deste grupo ainda apresente patas vestigiais, comprovando o seu elo evolutivo com os lagartos.

Os órgãos dos sentidos dos répteis são muito mais desenvolvidos que os anfíbios, e alguns apresentam sentidos únicos no reino animal. 

Acima: Cabeça de um pequeno lagarto, mostrando os grandes olhos laterais, cavidades auditivas (atrás dos olhos) sem ouvido externo e narinas anteriores. Abaixo: O terceiro olho deste lagarto (seta) permite-lhe regular a sua actividade de acordo com as condições do meio, fundamental para um organismo que não controla a temperatura interna

Os olhos são grandes e apresentam geralmente (lagartos, crocodilos e tartarugas) pálpebras superior, inferior e membrana nictitante, excepto nas cobras onde são cobertos por uma cutícula transparente que é mudada  junto com a pele. Muitas vezes apenas têm percepção do movimento, como em algumas cobras ou lagartos escavadores, mas geralmente a visão é muito apurada.

Os lagartos e as tuataras têm uma área semitransparente e sensível à luz no topo do crânio, geralmente designada terceiro olho, cuja função parece relacionada com o controlo metabólico diurno e sazonal, de acordo com o fotoperíodo. Esta zona está ligada a uma parte do cérebro, o corpo pineal, cuja estimulação conduzirá à produção de hormonas que desencadeiam a reprodução ou a hibernação.

Os ouvidos são geralmente pouco desenvolvidos e muitas espécies nem apresentam abertura externa do canal auditivo. Neste caso os sons são transmitidos por vibrações dos ossos do maxilar e do crânio.

O paladar não é importante para os répteis mas o olfacto é muito apurado. A língua é bifurcada nas cobras e maioria dos lagartos, transportando informações químicas para o órgão de Jacobson, localizado na zona anterior do palato e em comunicação com a cavidade bucal por ductos, onde são detectadas. O facto de ser bifurcada permite à língua detectar um gradiente nas substâncias detectadas, permitindo localizar a sua origem. Uma chanfradura na mandíbula permite a deslocação da língua.

Algumas cobras apresentam dos lados da maxila fossetas termorreceptoras especializadas na detecção de calor, o que lhes permite detectar as presas de sangue quente.

O sistema digestivo apresenta uma boca marginada por dentes tipicamente cónicos e implantados em alvéolos. 

Nas cobras, os ossos das mandíbulas estão soltos, podendo mover-se livremente uns em relação aos outros. O céu da boca tem dentes inclinados para trás, tal como as mandíbulas, o que permite segurar a presa enquanto esta é engolida. 

Órgão de Jacobson e seu funcionamento: a língua bífida da cobra recolhe partículas químicas do meio e coloca-as no ducto que abre no palato, de modo a serem reconhecidas pelo órgão de Jacobson. A informação é depois passada ao cérebro As depressões visíveis na mandíbula desta cobra pitão (seta) são as fossetas termorreceptoras, que lhe permitem detectar calor (infravermelhos) e capturar presas de sangue quente Presas libertando veneno de uma cobra cascavel. Nestas cobras as presas "dobram" para trás, em direcção ao palato, envolvidas por uma prega de pele, quando em repouso

Em cobras venenosas existem as presas, dentes longos e ocos, capazes de injectar veneno ao morder. As presas podem ser fixas (Naja e cobras marinhas) ou estar recolhidas para trás quando não estão em uso (cascavéis e víboras) mas em ambos os casos existe sempre um par de substituição logo atrás. 

Monstro Gila, o único lagarto do mundo que produz veneno e cuja mordida é altamente perigosa, causando quase sempre a morte, após grande sofrimento.

O veneno das cobras, como se verá mais à frente, tem toxidade variada, alguns neurotóxicos (como o da Naja afectam o sistema nervos e os centros respiratórios) ou hemotóxicos (como o das cascavéis e víboras, destrói as paredes dos capilares e os glóbulos vermelhos). Os lagartos não produzem veneno, embora a mordida de muitos deles (principalmente os de maior porte, como os dragões do Komodo) possa ser altamente infecciosa. A única excepção para esta regra é o monstro Gila, o único lagarto que produz veneno (altamente mortal para o Homem). 

O peritoneu de muitos lagartos de zonas desérticas é preto, impedindo a passagem de radiações U.V. potencialmente mutagénicas.

O sistema circulatório tem um coração incompletamente dividido em 4 câmaras (duas aurículas e um ventrículo parcialmente dividido), excepto nos crocodilianos, onde o septo ventricular é completo. Este facto permite uma maior separação do sangue arterial e venoso. Os glóbulos vermelhos são biconvexos e nucleados.

O sistema respiratório é exclusivamente pulmonar, nunca existem brânquias, embora em algumas tartarugas aquáticas possa ocorrer respiração faríngica ou cloacal. Existem cordas vocais na laringe. 

O sistema excretor é composto por rins são metanéfricos, o que reduz grandemente a perda de água pela urina, fundamental em meio seco.

Os répteis não geram calor interno, pelo que têm que controlar cuidadosamente a sua temperatura. A temperatura corporal deve estar entre os 30 e os 40ºC, pelo que abaixo desses valores abrandam a sua actividade e se deitam ao sol. Para receber calor mais eficientemente, achatam o corpo para que fique mais encostado à rocha quente. 

Os répteis de zonas tropicais raramente necessitam de apanhar sol mas os de zonas temperadas ou desérticas passam parte do ano em hibernação ou estivação, até que as temperaturas sejam adequadas.

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Veneno

O veneno de cobra não é mais do que saliva, ainda que altamente modificada, e é produzido por glândulas salivares também elas modificadas. 

A sua natureza proteica foi determinada pelo irmão de Napoleão Bonaparte, Lucien, em 1843. Na realidade, as proteínas constituem mais de 90% do peso seco do veneno, mas existem centenas ou mesmo milhares de diferentes moléculas (incluindo enzimas) na sua composição. Muitas delas são inofensivas mas uma percentagem importante é tóxica, variando grandemente de espécie para espécie. É esta a origem dos efeitos tão variados das mordidas de cobra.

Os venenos são ricos em enzimas hidrolíticas, misturas complexas de polipéptidos, nucleases, péptidases, etc., o que as ajuda a digerir as presas. Algumas destas enzimas realçam o efeito tóxico do veneno. 

Há mais de um século que se produzem anti-venenos. Albert Calmette demonstrou que era possível aumentar a imunidade de um animal à mordida de cobra aumentando gradualmente uma dose regular de veneno da cobra. Também demonstrou que um segundo animal podia ser salvo após ter sido mordido se lhe fosse administrado soro retirado do animal imunizado. Esta descoberta ainda hoje é a base da moderna produção de anti-venenos.

Actualmente usa-se quase sempre cavalos para a produção de anti-veneno. Doses crescentes de veneno são injectadas até que o animal se torne "hiper-imunizado", altura em que se recolhe sangue para se obter o soro. Os restantes componentes são novamente injectados no animal. O soro contém imunoglobulinas que serão digeridas por pepsinas de forma a isolar o antigene que neutraliza o veneno. 

As proteínas que matam ou imobilizam a presa variam em estrutura, efeito e na percentagem em que se encontram no veneno:

Classe

Exemplo

Modo de actuação

Alfa-neurotoxinas

alfa-bungarotoxina, alfa-toxina, cobrotoxina

bloqueiam a transmissão neuromuscular ligando-se, como o curare, ao receptor colinérgico presente nas fibras musculares esqueléticas

K-toxinas

K-toxina

bloqueia alguns receptores colinérgicos do SNC

Beta-neurotxinas

notexina, amoclitoxina, beta-bungarotoxina, crotoxina, taipoxina

bloqueiam a transmissão neuromuscular impedindo a libertação de acetilcolina, podem interagir com os canais de potássio dos neurónios

Dendrotoxinas

Dendrotoxina, toxinas I e K

aumentam a libertação de acetilcolina pelas terminações nervosas, podem interagir com os canais de potássio dos neurónios

Cardiotoxinas

Y-toxina, cardiotoxina, citotoxina

degradam as membranas celulares de certos tipos de célula (fibras musculares cardíacas e células nervosas, por exemplo) e conduzem à sua lise; causadores de paragem cardíaca

Miotoxinas

miotoxina, crotamina

provocam a degeneração muscular interagindo com os canais de sódio membranares

fosforilase A2

provoca a degeneração muscular

Hemorraginas

mucrotoxina A, toxinas hemorrágicas a, b, c, ..., HT1, HT2

degrada as paredes dos vasos sanguíneos causando hemorragias graves.

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Reprodução

A fecundação é interna, geralmente com órgãos copuladores (pénis nos crocodilianos ou hemipénis nos lagartos e cobras), permitindo a transferência directa do esperma para o interior do corpo da fêmea.

Os répteis são quase sempre ovíparos. Os ovos são grandes e muito ricos em vitelo, com cascas córneas ou calcárias e anexos embrionários – ovos amnióticos. Estes ovos são geralmente postos em covas, rodeados por vegetação em decomposição que os mantêm quentes mas podem ser retidos pelas fêmeas durante o desenvolvimento, como em certas cobras e lagartos. Nestes casos, nascem juvenis totalmente formados (viviparidade ou oviviviparidade). 

Apesar da reprodução sexuada ser dominante, existem numerosos casos de partenogénese (a fêmea produz ovos sem que haja fecundação, originando clones de si própria) nos répteis, principalmente em lagartos e numa espécie de cobra.

O desenvolvimento é sempre directo.  São raros os cuidados parentais entre os répteis, com excepção dos crocodilos (cuja protecção pode prolongar-se por mais de 2 anos) e algumas espécies de lagartos.

 

Ao lado: Hemipénis de uma cobra pitão da Birmânia. 

Em baixo, à esquerda: Esquema de um ovo amniótico de réptil, mostrando o embrião e os anexos embrionários que o rodeiam e protegem. 

Em baixo, à direita: Cobra Pitão cuidando dos seus ovos até ao nascimento das crias. 

Conservação

Os répteis em geral, e as cobras em particular, desde sempre que têm sido temidos e pouco compreendidos pelo Homem, que quase sempre tem optado pela solução fácil de matar antes de estudar.

Estes animais são, no entanto, parte fundamental do sistema vivo do nosso planeta e sem eles esse delicado equilíbrio será certamente afectado.

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